Dr. Yan Meirelles.
O esporte deixou de ser apenas uma simples e prazerosa atividade física para se tornar uma atividade altamente lucrativa e um expoente da “indústria” do entretenimento, que muito cresce em todo mundo.
Como não poderia deixar de ser, houve uma grande expansão do Direito Desportivo, como consequência do crescimento exponencial das demandas e oportunidades na área, o que está despertando em uma nova geração de especialistas o interesse e a dedicação à matéria. Nessa direção, estão se firmando no mercado escritórios de advocacia especializados ou com segmentos exclusivamente direcionados para atender clientes com interesses no universo dos desportos.
O aumento dos conflitos nas relações entre as partes integrantes do universo esportivo, por conta de uma crescente profissionalização do esporte em todo mundo, bem como as exigências do mercado no que diz respeito à interpretação da legislação, a defesa dos direitos do torcedor, a defesa dos acusados por doping, a necessidade de elaboração de contratos mais seguros e consistentes para a relação de trabalho entre atletas e clubes, a adequação das estruturas das associações desportivas e empresas do ramo e as mudanças na legislação, fazem parte do dia-a-dia desses escritórios.
No entanto, para melhor compreensão desta realidade, faz-se necessário um histórico do Direito Desportivo no Brasil, cuja evolução coincide com a própria evolução do esporte em geral.
Numa análise inicial temos que o direito desportivo em todo mundo surgiu através de normas sociais e regras do esporte. A prática, cada vez maior, nas mais variadas modalidades esportivas, exercidas individual e coletivamente, foi à fonte geradora das normas e regras das competições. E isso não foi diferente no Brasil.
Em 1901, com a criação da Liga Paulista de Foot-Ball, a primeira associação de futebol do país, nasceu o Direito Desportivo no Brasil. No ano de 1914, surge a Federação Brasileira de Sports (FBS) e em 1941 entrar em vigor o Decreto-Lei nº 3199/41, o qual criou o Conselho Nacional de Desportos (CND), órgão que tinha competência para legislar sobre a matéria, bem como julgar em sede recursal.
Posteriormente, a Portaria 24/41 e a resolução 4/42 criaram o Tribunal de Penas, órgão desde então competente para julgar infrações cometidas por atletas, árbitros, clubes e seus dirigentes. Três anos depois, foi elaborado o Código Brasileiro de Futebol, que normatizou e organizou os tribunais.
Logo, à época, os órgãos judicantes na esfera esportiva tinham as seguintes atribuições: Ao Conselho Nacional de Desportos foi atribuído o poder judicante, ao STJD a jurisdição em todo o território nacional, ao TJD a jurisdição nos territórios estaduais e nos Municípios as Juntas Disciplinares Desportivas. Em 1962 foi aprovado pelo CND o Código Brasileiro de Disciplina do Futebol e o Código Brasileiro de Justiça e Disciplina Desportiva.
Contudo, foi em 1988, com a promulgação da Nova Constituição Federal, que restou reconhecida a Justiça Desportiva como órgão competente para apreciar e julgar as demandas decorrentes dos conflitos na seara esportiva e criou os pilares do reconhecimento do Direito Desportivo como um ramo de Direito.
E isso se deu por conta do teor do art. 217 da Carta Magna de 1988, que dispõe:
Art. 217 - É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados: I - a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;
II - a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento;
III - o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não-profissional;
IV - a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional.
§ 1º - O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, reguladas em lei.
§ 2º - A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final.
§ 3º - O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social.
A partir da análise do dispositivo constitucional supratranscrito, insta salientar que, para a farta compreensão do motivo que justifique a inserção do Direito Desportivo no ramo das matérias autônomas, necessário se faz elencar todos os pressupostos indispensáveis a tal reconhecimento.
Os pressupostos para o reconhecimento do Direito Desportivo como ramo autônomo se evidenciam na existência de uma rica construção doutrinária, jurisprudencial e, principalmente, na demonstração de diversos princípios e normas que sistematizam a referida matéria.
E estes princípios são extraídos principalmente do supratranscrito art. 217 da Constituição Federal, sendo alguns eles:
- autonomia desportiva;
- tratamento diferenciado entre o desporto profissional e o desporto não profissional;
- esgotamento de instâncias.
Além disso, outro fator que demonstra a autonomia do Direito Esportivo é a existência de ordenamento jurídico próprio, de natureza administrativa mas reconhecido constitucionalmente, regido por princípios e normas específicas, consolidadas através do CBJD. Assim, o Direito Esportivo desponta como um ramo promitente do Direito, integrado ao Ramo do Direito Privado, projetando-se em diversas esferas onde atingem todos os particulares envolvidos com o Esporte em geral.
Outra demonstração cabal da autonomia do Direito Esportivo é a relação deste com os diversos ramos do Direito. O Direito Esportivo jamais poderia ser considerado um sub-ramo de qualquer outro ramo do Direito, posto que possui a peculiaridade de se relacionar com as mais diversas áreas de conhecimento jurídico.
O Direito Desportivo é subjugado apenas à Constituição Federal, Lei Maior, que lhe conferiu autonomia e princípios próprios. Entretanto, há correlação direta com os mais variados ramos do Direito, ampliando área de atuação do profissional da área jurídico desportiva.
Por exemplo, existe relação direta Direito Desportivo com o Direito do Consumidor, posto que o Estatuto do Torcedor equipara o torcedor ao consumidor, inclusive determinando, no seu art. 40, a aplicação subsidiária do Código de Defesa do Consumidor nas relações entre torcedores e entidades esportivas.
Além disso, as sanções existentes no Estatuto do Torcedor tem aplicabilidade efetiva na esfera Penal. Também existe relação entre o Direito Desportivo e o Direito Processual Penal, posto que o CBJD determina a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal na Justiça Desportiva.
Os Direitos de Personalidade, consagrados no Novo Código Civil, englobam a proveniência da personalidade dos atletas, relacionando-a com a imagem, reputação e integridade física destes.
Há que se ressaltar, ainda, a relação com o Direito do Trabalho e Processual do Trabalho, verificada no Contrato do Atleta com a entidade desportiva, na relação de trabalho e suas consequenciais. Relaciona-se, também, com o Direito Tributário, em razão da tributação desta relação de trabalho, das entidades desportivas e das transações envolvendo entidades desportivas. As próprias transações envolvendo entidades desportivas estrangeiras e suas consequenciais no Direito Pátrio demonstra a relação do Direito Desportivo com o Direito Internacional.
Nesta esteira de intelecção, uma simples pincelada acerca da área de atuação ligada ao Desporto demonstra o quão grandioso é o Universo Jurídico desse ramo, sem esquecer as consequências financeiras e a necessidade de profissionais gabaritados, conhecedores da matéria.
Paralelo à existência de correntes doutrinárias contrárias que justificam como ineficaz a criação de um corpo legislativo específico que discorra exclusivamente sobre o desporto, entendemos de forma diversa. Isso porque, a evolução social do desporto, as relações consectárias com os demais ramos jurídicos e a eminente necessidade de profissionalização das relações travadas nesse campo demonstram quanto é essencial à diferenciação autônoma dessa matéria.
Ademais, com a evidente ascensão das relações que decorrem dos Desportos, bem como a permanente mutabilidade social e grandes transformações nesta área, salutar que haja sistematização efetiva para o enfrentamento do tema. Nessa toada, o aumento das demandas estimula o crescimento de um mercado mais consolidado e especificamente técnico. É importante destacar ainda, que no Brasil, já existem cursos de graduação e pós-graduação destinadas a profissionalizar o advogado que busca militar com os Desportos.
Por todo exposto, verifica-se com clareza que o Direito Desportivo trata-se de realidade presente nas mais modernas comunidades, tendo em vista suas especificidades. É essencial que destaquemos um ramo exclusivo para tratar da resolução dos litígios ligados aos desportos por meio de profissionais exclusivamente capacitados para discorrer sobre o tema, abarcando toda relevância e destaque que a matéria merece.
Autor: *Yan Meirelles é advogado membro do Grupo de Negócios Desportivo do MBAF Consultores e Advogados. Procurador do Tribunal de Justiça Desportiva do Estado da Bahia. Especialista em Direito Tributário pelo JusPodvim. Artigo publicado no
JUSBRASIL